CARTA DE IPIAÚ – 2025
Construindo o Território Cinema
Propostas para o Desenvolvimento do Ecossistema do Audiovisual nos Interiores da Bahia
Durante 7 dias em Ipiaú/BA, sob o fundamental tema “Território Cinema”, nós, participantes do 2º Fórum Audiovisual dos Interiores da Bahia, reunidos para debater os desafios e as potencialidades do audiovisual em nossas regiões, vimos por meio desta apresentar as principais conclusões que emergem deste importante encontro que contou com a sensibilidade e o engajamento dos gestores públicos e de toda a sociedade civil.
Reconhecemos o significativo impacto socioeconômico do audiovisual. Debatemos como a atividade audiovisual pode gerar desenvolvimento local, criando empregos diretos e indiretos, estimulando o turismo cultural e movimentando a economia criativa nos municípios do interior. O audiovisual é, portanto, uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento territorial sustentável.
O Audiovisual representa 24% do PIB da Economia Criativa da Bahia. Longe de ser um mero entretenimento, constitui um potente vetor de desenvolvimento territorial, capaz de gerar renda, emprego, promover a inclusão social, salvaguardar a memória e fortalecer a identidade cultural inerente a cada localidade.
Reconhecemos os avanços no volume de recursos aplicados no interior através de mecanismos como a Lei Paulo Gustavo e a Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), bem como a melhoria nas plataformas de inscrição, escutas, ações formativas, mas é crucial aprofundar e perenizar essa descentralização em todos os mecanismos de fomento e políticas públicas, como o Fundo de Cultura do Estado da Bahia (FCBA), Fundo Nacional de Cultura (FNC), Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e do futuro Fundo Setorial do Audiovisual da Bahia (FSA-BA), consolidando a noção de que o cinema acontece e é vital em todo o território. Nesse sentido, direcionamos a urgente necessidade de instituir cotas específicas para produtoras audiovisuais localizadas em cidades do interior do Brasil em todas as linhas de fomento.
Porém, ao mesmo tempo que o Fórum reafirmou a força criativa e a relevância cultural, social e econômica da produção audiovisual realizada nos interiores, também evidenciou a urgência em superar obstáculos históricos e estruturais, como a concentração de recursos e infraestrutura.
A pressão por políticas públicas descentralizadas e eficazes foi um dos eixos centrais de nossas discussões. Articulamos ações contundentes para influenciar a criação e implementação de políticas de fomento, incentivo à produção, difusão e formação que, de fato, considerem as especificidades e necessidades dos interiores. Isso inclui a reivindicação por políticas específicas para as realidades regionais e a desconcentração efetiva de recursos atualmente concentrados nos grandes centros urbanos. Por isso, propomos a criação de uma linha de fomento dedicada exclusivamente a impulsionar a produção audiovisual nas cidades do interior do Brasil, reconhecendo suas particularidades e seu potencial único.
Compreendemos a necessidade vital de fortalecer as redes e articulações locais e regionais, com realizadores, produtores, exibidores e demais agentes culturais dos interiores cada vez mais conectados, promovendo a troca de experiências, o desenvolvimento de projetos colaborativos e a construção de uma voz coletiva forte para incidir nas políticas públicas e no mercado. A mobilização e organização dos profissionais e coletivos locais são essenciais para a incidência política, a busca por soluções criativas para os desafios enfrentados e a construção de um futuro mais promissor para o audiovisual dos interiores do Brasil.
A valorização das identidades e narrativas locais é o cerne de nossa produção. Debatemos extensivamente como o audiovisual dos interiores pode e deve refletir a rica diversidade cultural, social e territorial dos “Brasis Profundos”, contrapondo a centralização e homogeneização das narrativas veiculadas pelos grandes centros. Nossas histórias, nossos sotaques, nossas paisagens e nossas realidades precisam encontrar espaço e ressonância nas telas.
No entanto, a carência de salas de cinema adequadas, de equipamentos técnicos e de mecanismos eficientes de distribuição representam gargalos que precisam ser urgentemente superados por meio de investimentos públicos e iniciativas criativas. Reconhecemos a importância fundamental dos espaços de exibição para a democratização do acesso à produção audiovisual local e para a formação de público.
Nesse sentido, defendemos ativamente a criação, reformas e adaptação de espaços de exibição, com um enfoque especial em fomentar a experiência dos Cinemas de Rua. Acreditamos que a retomada e o fortalecimento desses espaços contribuem significativamente para a dinamização cultural das cidades e para a construção de um senso de comunidade em torno do cinema.
A ampliação imediata dos espaços de difusão e exibição é essencial para que nossas obras cheguem ao público. Discutimos estratégias para aumentar a circulação e exibição das obras audiovisuais produzidas nos interiores, através do fortalecimento de redes de cineclubes, mostras, festivais locais e regionais, e a busca por novos canais de distribuição, incluindo plataformas digitais e parcerias estratégicas.
O Fórum também sublinhou a necessidade premente de realizar políticas conjuntas e intersetoriais, promovendo a integração do audiovisual com áreas estratégicas como a educação, o turismo e a tecnologia. Acreditamos que essa articulação é fundamental para potencializar o alcance e o impacto de nossas ações, utilizando o audiovisual como ferramenta pedagógica, vetor de promoção turística e impulsionador da inovação tecnológica regional.
O acesso a financiamento e a modelos de sustentabilidade para os projetos audiovisuais do interior foi objeto de profunda análise. Buscamos ativamente modelos de financiamento sustentáveis que considerem a realidade local, incentivando a combinação inteligente de recursos públicos, privados e o desenvolvimento de mecanismos de economia criativa adaptados às nossas particularidades.
A formação e capacitação profissional contínua são pilares para o desenvolvimento do audiovisual nos interiores. Ressaltamos a importância da oferta de oportunidades de formação técnica e artística de qualidade em nossas regiões, qualificando os profissionais locais e fortalecendo, de forma sólida, a cadeia produtiva regional em todas as suas etapas.
As discussões aprofundadas nas mesas temáticas realizadas no Fórum reforçaram a urgência e a relevância das demandas apresentadas pelos interiores, delineando desafios e apontando caminhos.
Estas proposições, embasadas em aspectos econômicos, sociais e culturais, visam a impulsionar o potencial criativo e transformador das regiões interioranas do Brasil, compreendendo o audiovisual como um elemento constitutivo e dinamizador do território.
Eixo Econômico: Fortalecendo a Economia do Cinema no Território
Defendemos que a Bahia Filmes, respeitando a Lei Orgânica de Cultura da Bahia, em um dos seus principais eixos, seja motor de descentralização e investimento direcionado aos Territórios. Para tanto, demandamos a necessidade de 1 representação dos interiores da Bahia no Comitê Gestor da Bahia Filmes e de 1 representação dos interiores no Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual da Bahia (FSA-BA).
Propomos a alocação de um mínimo de 70% do total dos recursos da Bahia Filmes para os interiores do Estado, que representam aproximadamente 12 milhões dos 14 milhões de baianos, ou seja 83% da população da Bahia, de acordo com o Censo de 2022. Esta medida apoia diretamente a crescente cena audiovisual nos diversos municípios e territórios, fomentando talentos e produções locais, e reconhecendo o potencial criativo para além da capital.
Solicitamos o investimento na construção e reforma do parque exibidor no interior, compreendendo a urgência de dotar cada território de seus próprios espaços de exibição. Isso envolve não apenas a modernização de salas existentes, mas um mapeamento dos espaços e necessidades em cada território, referenciando o potencial de espaços municipais, comunitários ou mesmo em escolas de tempo integral para adaptação em salas de cinema com equipamentos de qualidade, buscando soluções viáveis e coordenadas, conforme debatido no 2º Fórum Audiovisual dos Interiores da Bahia.
É fundamental organizar um circuito de exibição público-privado que conecte os territórios, com a integração de equipamentos estatais, municipais, privados e de interesse público (como cineclubes e espaços comunitários), garantindo a circulação de filmes por todo o estado. Para viabilizar este circuito territorializado, é necessário suporte financeiro a fundo perdido para coletivos/OSCs, cobrindo custos operacionais e de licenciamento de filmes, e linhas de financiamento (empréstimo) acessíveis para empresas de exibição do interior.
Propomos ainda um suporte na formação de agentes culturais voltados à comunicação nos territórios que de forma coordenada possam criar planejamento estratégico de comunicação para atração de público para os pontos de exibição de forma contínua e articulada.
Propomos a criação de Editais intitulados Arranjos Territoriais a partir da Bahia Filmes, apropriando-se do formato dos Arranjos Regionais da Ancine, permitindo que municípios e territórios do interior desenvolvam e lancem editais específicos de Audiovisual, priorizando projetos que reflitam as identidades culturais e narrativas únicas de cada território, fortalecendo suas particularidades. O FSA-BA pode, inclusive, se tornar agregador de recursos, captando tanto recursos nos municípios via Arranjos Territoriais e somando-os aos Arranjos Regionais da Ancine.
Para a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, reiteramos a necessidade do retorno dos Editais Setoriais de Audiovisual no âmbito do Fundo de Cultura do Estado da Bahia, essenciais para fomentar produtores e projetos em todo o Estado, com um olhar atento às especificidades e necessidades dos territórios do interior.
Quanto ao 2º Ciclo de Editais da PNAB, propomos o aumento do total de recursos aplicados nas linhas de audiovisual para, pelo menos, R$ 15 milhões, minimamente duplicando o aporte investido no primeiro ciclo. Propomos também que os recursos aplicados na Territorialização sejam por Categoria e não por Edital, garantindo uma distribuição mais equitativa dos recursos pelos diversos territórios. Demandamos a inclusão explícita das categorias de Mostras e Festivais (vitrines do cinema nos seus territórios), Longas e Séries, reconhecendo a importância estratégica destes formatos e eventos para o desenvolvimento do ecossistema e da cadeia produtiva em cada localidade.
Que a gestão desses recursos priorize a interiorização, com metas explícitas de investimento nas diversas regiões, consolidando a presença do cinema em cada território e garantindo que as cotas nos editais gerais seja instituída durante todo o processo seletivo, ou seja que os projetos que serão chamados como suplentes sigam o critério de cotas para os territórios e não que venham todos os suplentes dos municípios com maior densidade populacional.
Através dos programas de incentivos via renúncia fiscal, como o Fazcultura e a Lei Rouanet, propomos parcerias com empresas privadas atuantes nos diversos territórios para o lançamento de editais específicos para o audiovisual no interior, no modelo adotado pela Lei Rouanet nos Programas destinados ao Norte, Nordeste, Favelas, Juventude, buscando empresas com forte presença nas próprias regiões. Ainda, é urgente o aumento do valor de renúncia fiscal do Fazcultura, que se mantém em R$ 15 milhões há décadas, dobrando ainda em 2025 para R$ 30 milhões ampliando o volume de recursos disponíveis para projetos territoriais.
Sugerimos a inclusão da Cultura na Nota Premiada para possibilitar cashback e formação de público/plateia nos territórios, revertendo a identificação de CPF em cupons fiscais como crédito para a compra de produtos culturais incentivados pelo Estado. Estas medidas podem impulsionar o consumo cultural local e fortalecer a economia do setor em cada território.
No âmbito do Governo Municipal, em cada um dos municípios do interior, defendemos a urgente necessidade de criação e implementação de Leis de Incentivo de Fomento à Cultura e para a instituição de Film Commissions, Redes e Articulações que sejam referências do audiovisual municipal. Essa legislação local é essencial para complementar os esforços estaduais e federais, permitindo que os próprios municípios invistam no seu potencial criativo e cultural, incluindo o audiovisual.
Eixo Social: Construindo a Cidadania Através do Cinema no Território
Fortalecimento do Cineclubismo e da Formação de Público nos Territórios: Reconhecemos o papel crucial dos cineclubes e espaços de exibição não comerciais na democratização do acesso e na formação de público crítico dentro dos territórios, especialmente no interior onde a presença de salas comerciais é limitada. É essencial o apoio contínuo a estas iniciativas, garantindo recursos para sua manutenção e programação, consolidando-os como pontos de encontro e difusão cultural nos territórios.
Educação para o Audiovisual como Ferramenta Territorial: Reforçamos a proposta de inserir a “alfabetização audiovisual” nas escolas e a criação de uma componente curricular que aborde o cinema brasileiro, em parceria com a Secretaria de Educação, utilizando espaços educacionais para exibição e debate, formando cidadãos mais críticos e conscientes do poder da linguagem audiovisual para interpretar e narrar seus próprios territórios.
Valorização das Narrativas e Identidades Locais que Constituem o Território: As políticas de fomento e difusão devem priorizar projetos que contem as histórias e reflitam a diversidade cultural do interior, promovendo o pertencimento e a autoestima das comunidades locais, reconhecendo que cada filme produzido no interior é, em si, um pedaço do “Território Cinema”.
Eixo Cultural: Difundindo e Preservando a Memória do Território Através do Cinema
Fomento a Mostras e Festivais como Vitrines do Cinema no Território: As mostras e festivais no interior são vitrines essenciais para a produção local e regional e pontos de articulação dos territórios do cinema. O apoio a estes eventos, garantindo recursos adequados e continuidade, é fundamental para a circulação de filmes e o intercâmbio de experiências, em consonância com a importância da difusão cultural debatida no Fórum, permitindo que cada território exiba e celebre suas produções.
Preservação e Difusão do Acervo Local como Memória do Território: É vital investir na catalogação, preservação e digitalização do acervo audiovisual produzido no interior, assegurando que a memória cultural das regiões, capturada pelas lentes locais, seja acessível e sirva como fonte de inspiração para novas gerações, preservando a história e a identidade de cada território.
Estímulo à Pesquisa, Crítica e Curadoria Descentralizada nos Territórios: Apoiar a formação e o trabalho de críticos e curadores no interior é crucial para qualificar o debate sobre o cinema local e garantir que a diversidade da produção baiana, com suas particularidades territoriais, seja refletida nos espaços de exibição e na discussão pública.
Para a efetivação destas propostas, fundamentais para a consolidação dos “Territórios Cinema” nos interiores do Brasil, é indispensável uma gestão pública profissionalizada, transparente e participativa, que envolva a escuta ativa dos agentes do setor e a colaboração interinstitucional entre as secretarias de Cultura, Educação, Ciência e Tecnologia, Turismo e outras áreas relevantes, em sintonia com as políticas e linhas de fomento federais (MINC, ANCINE, FSA). A Bahia Filmes, em sua constituição e operação, deve incorporar estes princípios, atuando como um braço estratégico do estado para impulsionar o audiovisual em todas as suas dimensões nos interiores da Bahia.
Junto ao governo federal, estadual e representantes dos gestores municipais propomos a construção de um amplo Programa de Audiovisual dos Interiores dos Brasis que inclua uma série de projetos e ações nos territórios e municípios com o objetivo de diminuir as desigualdades entre o cinema realizado e exibido nos interiores e nas capitais.
Para tanto, sugerimos a criação de um grupo de trabalho envolvendo representantes do governo estadual, DIMAS, entidades municipalistas, Bahia Filmes, ANCINE, SAV, SASB, AVIBA, ACUBA, Câmaras Técnicas de Cultura dos Territórios e o Fórum Audiovisual dos Interiores da Bahia.
Esta carta também representa o compromisso da criação e a união em torno de uma Rede Audiovisual dos Interiores do Brasil, com a participação de representantes de 11 estados, das 5 regiões do País. Continuaremos mobilizados, dialogando e atuando para que o audiovisual de nossas regiões alcance o reconhecimento e o desenvolvimento que merece.
Ipiaú-BA, 27 de abril de 2025.
Assinam essa carta:
SASB – Associação do Setor Audiovisual do Sudoeste Baiano
AVIBA – Articulação do Setor Audiovisual do Interior da Bahia
Ipiaú Audiovisual
Coletivo Setorial do Audiovisual de Ilhéus
ICINE – Fórum de Cinema do Interior Paulista
Fórum de Agentes, Empreendedores e Gestores Culturais do Território Litoral Sul da Bahia
Câmara Técnica de Cultura do Território Litoral Sul